O Investimento em Pesquisa no Brasil
Prof. Luiz
Carlos Gomide Freitas
ADUFSCar
Departamento de Química - UFSCar
As
cenas iniciais do filme “2001, uma odisseia no espaço”, dirigido por Stanley
Kubrick em 1968, são emblemáticas ao sintetizar as consequências do domínio da
técnica e do conhecimento para o futuro humano [1]. Assim, em linhas gerais, a
história do filme registra a estreita correlação entre conhecimento científico
e tecnológico e a predominância cultural, política, econômica e militar.
Embora
as ações para a criação de ambientes e condições apropriadas para o
desenvolvimento científico e tecnológico estejam presentes no histórico de
vários países, o cenário que emerge após o conflito generalizado de 1939-1945 -
Segunda Guerra Mundial -, apontou outras necessidades e desafios para a gestão
do citado desenvolvimento.
Os
custos elevados com pesquisa, a questão fundamental da definição de
prioridades, a competição entre nações, o surgimento da Guerra Fria e seus
requisitos sobre sigilo, impuseram novos paradigmas para a gestão do
desenvolvimento da ciência e tecnologia. Segundo a ‘lenda’, existe a frase de um
General do Exército dos EUA, “a ciência é
muito importante para ser deixada nas mãos dos cientistas”.
No
Brasil, logo após o término da 2a Guerra Mundial, alguns eventos,
muitos dos quais concretizando aspirações e projetos iniciados em décadas
anteriores, contribuíram significativamente para mudar o cenário do desenvolvimento
científico e tecnológico:
1-
A criação do Conselho Nacional de Pesquisa,
CNPq, em abril de 1949, “uma instituição governamental, cuja principal
função seria incrementar, amparar e coordenar a pesquisa científica nacional” [2].
2-
A criação, em 1951, da Campanha Nacional de Aperfeiçoamento de Pessoal
de Nível Superior” a atual CAPES, com a missão de “assegurar a existência de pessoal especializado em quantidade e
qualidade suficientes para atender às necessidades dos empreendimentos públicos
e privados que visam ao desenvolvimento do país" [3].
3-
A consolidação do Centro Brasileiro de Pesquisas
Físicas, CBPF, instituição fundada em 1949 com vocação para a pesquisa
científica fundamental na estrutura da matéria [4].
4-
A consolidação, em 1950, do Instituto
Tecnológico da Aeronáutica (ITA), agregado ao Centro Tecnológico da Aeronáutica
(CTA), em São José dos Campos, cidade do interior do Estado de São Paulo [5].
5-
A fundação do Instituto de Matemática Pura e
Aplicada (IMPA), em 1951, com a missão de carrear atividades,
estreitamente relacionadas entre si, visam promover o conhecimento matemático,
fundamental para o desenvolvimento das ciências e da tecnologia em geral, o que
por sua vez é essencial para o progresso econômico e social da Nação” [6].
Logo,
nota-se a existência de uma preocupação em criar condições gerais para o
domínio completo do conhecimento científico, visando atender às necessidades de
um país em franco processo de urbanização, almejando uma indústria pujante, com
o objetivo de fazer frente à demanda de serviços gerais de qualidade. Cabe
ressaltar que a efervescência da criação da PETROBRAS, em 1953, impunha ao país
enormes desafios no campo tecnológico e de gestão.
Estes
empreendimentos estão relacionados à esfera do governo federal, mas é importante
acrescentar que governos estaduais participavam desta discussão. Ressalta-se
que a constituição de 1947 do Estado de São Paulo previu a criação de uma fundação
de amparo à pesquisa, no âmbito estadual. Como resultado, a FAPESP - Fundação
de Amparo à Pesquisa do Estado de São Paulo, foi criada formalmente em 1960,
iniciando as atividades efetivas em 1962 [7]. É importante notar alguns
aspectos importantes da criação da FAPESP: i)
comprometimento de um percentual não inferior a 0,5% da arrecadação do Estado,
repassados mensalmente; ii) a dotação
inicial de um fundo de US$ 2,7 milhões para a formação de um patrimônio
rentável.
O
comprometimento financeiro do Estado, bem como atribuições de gestão no
estatuto inicial, viabilizaram a FAPESP, impulsionando decisivamente atividades
de pesquisa e a formação de recursos humanos no Estado de São Paulo. Com o
advento da pós-graduação, instituições desse Estado contribuíram significativamente
para a formação de recursos humanos, sendo importante citar as realizações no âmbito
do Plano Institucional de Capacitação Docente (PICD/CAPES), entre os anos de
1970-1980. Houve uma expressiva contribuição para a capacitação de mestres e
doutores em todo o país, com reflexos importantes para o desenvolvimento do
ensino e pesquisa nos demais estados. A convivência destes mestrandos e
doutorandos com o modus operandi da
FAPESP contribuiu decisivamente para o desenvolvimento posterior das Fundações
de Amparo à Pesquisa (FAPs) em outros estados brasileiros.
Grande
parte das atividades acima citadas tiveram a participação de empreendedores ligados
aos setores militares, mas é importante citar outras características que vieram
contribuir para a formatação das instituições de fomento à pesquisa. Já na
década de 1920, a Academia Brasileira de Ciências (ABC) pregava enfaticamente a
necessidade da criação de uma agência nacional para o fomento da pesquisa. Com
a fundação da Sociedade para o Progresso da Ciência (SBPC), em 1948, ampliou-se
a participação de outros setores da sociedade, esclarecidos da necessidade do
progresso científico para o desenvolvimento social e econômico. A fundação
subsequente de sociedades científicas em áreas do conhecimento mais específicas
(Sociedade Brasileira de Física (SBF) e a Sociedade Brasileira de Química (SBQ),
entre outras) ampliou largamente o leque de discussão de políticas para o
desenvolvimento científico e tecnológico.
É
importante frisar que, embora as agências de fomento sejam dirigidas por
gestores escolhidos por governantes, a ampla participação das sociedades científicas
nas esferas de discussão e decisão tem sido decisiva para descortinar
horizontes para o desenvolvimento do ensino e pesquisa no Brasil. Cabe
ressaltar o papel importante protagonizado pela SBPC e por outras sociedades
científicas, nomeadamente em momentos de maior repressão
às liberdades democráticas, atuações que foram decisivas para criar canais de
discussão e de resistência.
É
importante rememorar o fato de, no ano de 1977, o governo militar ter cortado as
verbas destinadas à realização da Reunião Anual da SBPC, o que deflagrou um vitorioso
processo da sociedade civil para a organização da reunião nas instalações da
Pontifícia Universidade Católica (PUC), em São Paulo. Artistas, comerciantes e
outros integrantes contribuíram financeiramente e famílias abriram suas casas
para receber congressistas e participantes. Este acontecimento é um marco
essencial e histórico da associação definitiva da comunidade cientifica com a
sociedade brasileira. (Logo, é imprescindível que as ações reivindicatórias
tenham em mente este fato, para não dilacerar estes lanços afetivos
fundamentais para a sobrevivência da ciência e de outras atividades acadêmicas)
Outro
aspecto importante a ser ressaltado no fomento à pesquisa está na criação
laboratórios temáticos de pesquisa e de projetos indutores para o
desenvolvimento. Em 1963, foi criado o Centro de Pesquisas e Desenvolvimento Leopoldo Américo
Miguez de Mello (CENPES), voltado para o desenvolvimento de soluções
tecnológicas para a PETROBRAS. [8]. Foram criadas durante o governo
militar, a Empresa Brasileira de
Aeronáutica (Embraer), em 1971 [9] e a Empresa Brasileira de Pesquisa
Agropecuária (Embrapa), em 1970 [10] . É notável o sucesso de ambos
empreendimentos. Em destaque, a liderança da EMBRAER no seu seguimento de
mercado. Importante também salientar que o motor flex, fundamental para viabilizar o álcool combustível, foi
desenvolvido por engenheiros ligados ao ITA. A produtividade nos segmentos da
agropecuária, obtida através das pesquisas da EMBRAPA, tem sido fundamental
para a economia brasileira. Foi criado, também, o Instituto Nacional de
Pesquisas da Amazônia (INPA), vocacionado para a pesquisa da diversidade
biológica daquela região [11]. Simultaneamente, deve-se destacar a atuação de
pesquisadores destas instituições em programas de pós-graduação, que
concorreram para integrar, de forma indelével, as pesquisas básica e aplicada. A
visibilidade do impacto da contribuição destes centros de pesquisa no
desenvolvimento econômico e de outros setores da sociedade, fortalecem a defesa
de políticas de desenvolvimento com foco na pesquisa. O impacto destas
realizações precisa ser enfaticamente explorado nas negociações sindicais, bem
como repassadas para a população em geral.
A indução de pesquisas na interface com
aplicações tem sido realizada através de projetos de fomento, com objetivos
delineados. Em geral, editais são publicados e grupos de pesquisa de diferentes
instituições se organizam livremente para apresentar propostas. O impacto de Programas
como o Programa de Apoio ao Desenvolvimento Científico e Tecnológico (PADCT),
iniciado em 1984 com recursos do governo brasileiro e do BIRD, em suas três
fases (1985, 1991, 1998-2004), está contribuindo decisivamente para fomentar a
pesquisa e consolidar programas de pós-graduação em diversas universidades e
institutos de pesquisa [12,13]. Mais
recentemente (2008), foram lançados os editais para os Institutos Nacionais de
Ciência e Tecnologia (INCT’s) [14], projetos inovadores dada a sua
multidisciplinaridade, congregando pesquisadores de diferentes universidades e
centros de pesquisa no desenvolvimento de dezenove áreas consideradas
estratégicas. Foram criados 101 institutos de pesquisa, após cuidadosa escolha
que contou com a participação de avaliadores do país e do exterior. Devido à
sua grandeza e aspiração a dados de alto valor científico e tecnológico, o
projeto é coordenado pelo Ministério da Ciência e Tecnologia, em parceria com
CNPq e CAPES e com a participação importante de agências de fomento estaduais.
Inicialmente, foram destinados R$ 600 milhões (600 milhões de reais) [14] para
projetos quinquenais. Cabe citar a vasta gama de interesses tratados,
abrangendo deste o agronegócio e energia, passando pela área das doenças
negligenciadas, produção de novas vacinas, política públicas para diferentes
setores, etc. A forte descentralização dos grupos de pesquisa permite a
integração de pesquisadores de todas as regiões do país. Devido ao sucesso
destes institutos, aguarda-se o lançamento de editais para uma nova fase
quinquenal. Recursos para obras de infraestrutura em geral, incluindo novas
edificações, reformas e compras de equipamentos, são disponibilizados via
projetos submetidos à agencia governamental FINEP dentro da linha de
financiamento CT-INFRA. Estes recursos são fundamentais para a expansão
universitária [15].
Outro
ponto importante é a gradativa descentralização das decisões para concessões de
bolsas de estudos e investimentos na pós-graduação. Seguindo rígidas avaliações
trienais de mérito, elaboradas pela CAPES, recursos para a pós-graduação,
incluindo bolsas de estudo e compra de equipamentos, são repassados diretamente
às universidades. Os programas melhores avaliados, notas máximas 6 e 7, recebem
diretamente os recursos, o que proporciona uma grande flexibilidade na
aplicação do mesmo, contribuindo decisivamente para a tomada local de
decisões e definição da gestão de
qualidade.
Outra
importante conquista da comunidade científica são os portais de periódicos
científicos. O Portal de Periódicos da CAPES [16] proporciona o acesso fácil a
mecanismos de busca em milhares de revistas científicas internacionais, facultando
à comunidade científica, tecnológica e empresarial o acesso a milhares de
títulos em praticamente todas as áreas do conhecimento. Cabe ressaltar que o
Portal de Periódicos foi uma iniciativa pioneira da FAPESP, sendo posteriormente
encampada pelo CNPq e CAPES.
Uma
iniciativa importante para a divulgação das publicações em revistas científicas
nacionais foi a criação do portal Scielo
Brasil, lançado inicialmente pela FAPESP e contando, desde 2002, com auxílio
do CNPq [17]. A divulgação neste site, de livre acesso, melhorou
consideravelmente a visibilidade da produção científica nacional, tanto no país
quanto no exterior, aumentando o índice de impacto de várias revistas. Outra
consequência importante da divulgação internacional é que várias revistas
brasileiras recebem hoje artigos submetidos de outros países, contribuindo para
a formação de um novo nicho de oportunidades para divulgação científica a baixo
custo e acesso livre. Em colaboração com outros países, a participação no
projeto Scielo internacional
contribui para divulgação da produção cientifica dos países da América Latina, África
do Sul e Espanha [18].
Em
linhas gerais, descortinamos elementos centrais para que o progresso histórico
do investimento em pesquisa no Brasil seja apreciado. Embora problemas
significativos tenham ocorrido no tempo, é possível afirmar que existe uma
tendência segura para cimentar pesquisa e ensino de qualidade como requisitos
fundamentais para o progresso social. Iniciativas para o repasse do
conhecimento acadêmico e tecnológico para outros setores da sociedade, incentivos
a atividades empreendedoras, etc., estão em destaque. Gradativamente, pode-se
constatar a vocação de estudantes de graduação e pós-graduação para criarem
empresas de tecnologia, utilizando com eficiência o aprendizado recebido e mantendo
contatos posteriores com a instituição universitária. Devem-se ressaltar
programas especiais das agências de fomento voltados para o desenvolvimento de
projetos em ‘incubadoras de empresas’ bem como de projetos em empresas já
estabelecidas. O Programa Pesquisas Inovativa em Pequenas Empresas (PIPE) da
FAPESP é um bom exemplo desta iniciativa [19].
Uma
leitura política consistente deste quadro de realizações permitirá aos nossos
sindicatos uma participação fundamental neste debate, contribuindo
decisivamente para a tomada de decisões e processos de gestão aderentes ao
progresso social que almejamos.
Sugestões para o debate:
-
Internacionalização: uma janela de
oportunidades.
-
Participação externa em editais
(INCT – PADCT).
-
Ampliar a utilização do Portal de
Periódicos para outros países.
- Ampliar a política de bolsas de
estudos para estudantes latinos americanos em programas de pós-graduação no
Brasil e vice versa.
- Facilitar o acesso de pesquisadores
latinos americanos a laboratórios de universidades e centros de pesquisa do
Brasil, e vice versa.
Referências